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sexta-feira, 20 de junho de 2008

CUBATÃO RESISTIRÁ AO “BOTA ABAIXO” DE SERRA

O Programa de Recuperação Sócio-Ambiental da Serra do Mar, com o qual o governador José Serra pretende remover cerca de 30 mil pessoas das encostas, tem nome de batismo errado. Deveria se chamar “Programa Bota Abaixo” porque se inspira na mesma lógica higienista do prefeito carioca Pereira Passos, que pretendeu, no início do século passado, modernizar o Rio excluindo os pobres.
A reforma “Bota Abaixo” de Pereira Passos tinha pelo menos uma vantagem: era mais honesta. O prefeito carioca não escondia suas intenções de higienizar a cidade, livrando o centro dos cortiços, expulsando os pobres para a periferia e valorizando a área central, reservada aos ricos. No caso de Serra, a intenção de favorecer a Ecovias, empreiteiras e empresas de terraplenagem, vem embrulhada em um engenhoso plano de marketing. Na prática, o Programa não passa disso: um plano de marketing no qual à população é chamada a pagar a conta.
Aliás, ao lançá-lo no ano passado, Serra não escondeu a inspiração: fez uma declaração de guerra ao que chamou de ocupações irregulares, proclamando a necessidade de se evitar que o sistema Anchieta-Imigrantes se torne uma “linha vermelha”. O tratamento padrão da elite brasileira em relação aos pobres, como se vê, não muda.
O “Bota Abaixo de Serra” é a releitura da reforma Pereira Passos. Precisa ser denunciado antes que comece a gerar conseqüências irreversíveis, além dos efeitos colaterais que já vem produzindo: o pânico e a perda da tranqüilidade para milhares de pessoas.
O Programa não resolve o problema das famílias que vivem em áreas de risco, e ainda criará outros gravíssimos, nas áreas para onde serão removidas - o Jardim Casqueiro e adjacências, por exemplo.
A principal conseqüência será o rebaixamento da qualidade de vida dessas populações, por conta do extraordinário impacto na infra-estrutura. A população dobrará sem dispor de mais escolas, mais postos médicos, mais espaços para feiras livres, transporte, segurança e outras medidas necessárias ao planejamento urbano.
Mas, onde ficam escancaradas as verdadeiras intenções do governador, é na omissão deliberada do papel das empresas do Parque Industrial. Até as quaresmeiras da Mata Atlântica sabem (aliás, principalmente elas), da responsabilidade das empresas nos danos ao Meio Ambiente, fato que, de resto, seus próprios representantes jamais negaram.
A Cosipa, por exemplo, é a campeã na emissão de CO2, responsável pela destruição da camada de ozônio, segundo a própria Secretaria do Meio Ambiente do Governo do Estado. Entretanto, o mesmo governador Serra que declarou guerra às ocupações irregulares esquece desse pequeno “detalhe” e, simplesmente, não toca no assunto. Há uma pergunta que não quer calar: em um Programa de Recuperação Sócio-Ambiental digno desse nome, as empresas não deveriam ser as primeiras a serem chamadas para assumir sua cota de responsabilidade?
Ao contrário, a única preocupação do Estado na parceria com a Prefeitura, é a expulsão dos moradores – candidatos aos “pombais” da CDHU a serem pagos em até 25 anos. Até mesmo os que ficam – menos de 3 mil famílias – se tornarão devedores do Estado.
Claro está quem ganha com o Programa de Serra. As empresas de terraplenagem, num primeiro momento, abocanharão R$ 9,3 milhões; contratos de R$ 6,3 milhões já foram assinados com empreiteiras para a construção das primeiras 1.840 unidades. No total, o Programa contará com investimentos de R$ 700 milhões, sem que esteja reservado um único centavo para indenizações aos moradores.
A CDHU, por exemplo, recrutou um verdadeiro exército de assistentes sociais e técnicos e age desprovida de qualquer compromisso de empresa pública, apenas de olho no aumento de sua carteira de mutuários.
Além de omitir a responsabilidade das empresas do parque industrial, Serra passou a executar o Programa, segundo manuais da estratégia militar: escolheu para sua coordenação o ex-comandante Geral da PM em S. Paulo, coronel Elizeu Éclair. Resultado: as primeiras medidas foram o “congelamento” dos bairros Cota, transformados numa espécie de território de exceção, onde não se respeita mais direitos e garantias individuais.
O interessante é que os moradores, agora tratados como invasores, estão lá porque foram – direta ou indiretamente - autorizados pelo Estado e Prefeitura, que providenciaram, ao longo dos anos ainda que de forma precária, os serviços públicos essenciais.
O Programa tem de ser parado já para que, mais uma vez, os pobres não se transformem em bodes expiatórios de planos mirabolantes montados por Governos para que grupos do seu entorno ganhem dinheiro fácil propagandeando boas intenções.
A população tem o direito de duvidar das boas intenções do governador, e por isso quer Laudos feitos por instituições idôneas, para que possa compará-los com os do IPT. A respeitabilidade dessa instituição não isenta os seus técnicos de erros, nem muito menos os tornam impermeáveis à pressões políticas. Não há qualquer dúvida de que o Laudo divulgado recentemente traz as digitais do governador e da sua decisão de “limpar” a área.
No mais, é estarrecedor o silêncio das lideranças políticas da cidade, incluídos os candidatos às eleições de outubro, e da Câmara que não conseguiu entender a gravidade do problema, nem sua dimensão, muito menos produzir uma única proposta capaz de apontar um caminho que não seja a expulsão sumária da população.
Na mesa de discussão de um Programa que não seja apenas marketing é indispensável a presença dos representantes do Parque Industrial, responsáveis pela importante iniciativa da Agenda 21; da Prefeitura – que fez até aqui, o papel de parceiro passivo do Estado, mas que mudará de mãos e comando com as eleições de 05 de outubro; da concessionária Ecovias; e dos representantes legítimos dos moradores, com uma pauta aberta em um debate público transparente.
A falta da transparência, aliás, prometida inicialmente pelo Estado, ficou evidente em duas medidas recentes: a divulgação pelos jornais da lista com os nomes das famílias; e o lançamento do Laudo do IPT, disponibilizado pela Internet, o que é mais do que um desrespeito: é uma ironia e um deboche, quando se sabe que as populações envolvidas não fazem parte da parcela incluída digitalmente.
O congelamento da peça de marketing montada pelo governador Serra para expulsar a população e o início de uma discussão séria a respeito da vocação e do futuro do Parque Estadual da Serra do Mar, que ocupa dois terços do território da cidade, com a participação de todos os envolvidos e interessados na sua preservação é urgente. É a única forma de se evitar que a população de Cubatão seja vítima de mais um engodo.
No caso das empresas, será também uma boa oportunidade para que a Cosipa, campeã da emissão de CO2, a Companhia Santista de Papel, que está dentro do Parque Estadual da Serra do Mar (só para ficar nas duas), comecem a fazer sua lição de casa e não se empurre mais esta conta para quem não deve.
Ainda há tempo.

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