Quer dizer que é assim: dois terços da população de cerca de 120 mil habitantes mora às margens, nos morros, palafitas, favelas, grotões de todo o tipo, e a responsabilidade, claro, é de quem escolheu esses lugares insalubres prá viver.
Quer dizer que é assim: a Cidade, que tem um PIB per capita de R$ 45.120,10, contra R$ 17 do Estado e R$ 13 mil na Baixada (Fonte: Fundação Seade) adquiriu essa condição pelo trabalho nas fábricas, empreiteiras, nos bicos, dessas pessoas para quem só sobra os lugares insalubres - cerca de 2/3 da população, que vive nesses lugares insalubres (morros, palafitas, grotões,) e a responsabilidade, claro, é de quem prefere ver a maravilhosa visão da Baixada Santista e suas luzes à noite, de qualquer cota, mesmo colocando a si e as suas famílias sob o risco de serem engolidas por avalanches de terra.
Nós outros, os que vivemos nas áreas com alguma infra-estrutura (Vila Nova, Casqueiro, Parque São Luiz, Ponte Nova) com ruas calçadas ainda que cheias de buracos, calçadas irregulares e geralmente depredadas, coleta de lixo precária e irregular, água com algum tratamento e não cheia de coliformes fecais (prá não correr o risco de ferir a sensibilidade auditiva de ninguém e dizer “merda, mesmo!”); portanto, essa infra-estrutura precária, que não é nenhuma brastemp, mas ainda assim alguma infra-estrutura a nos transmitir a vaga idéia de Cidade; nós os que representamos o 1/3, não temos nada a ver com isso.
Essa gente que prefere ficar se amontoando em morros ou em ruas com esgoto a céu aberto – onde crianças e porcos brincam livremente – essa gente é que tem essa mania de escolher esse tipo de lugar para criar seus filhos.
Quer dizer que é assim: a Cidade que tem uma das maiores arrecadações per capita do Brasil e seus governantes, suas autoridades – eleitas para “administrar” o orçamento fruto do trabalho desses mesmos referidos acima, não tem nada a ver com isso. Não importa que boa parte da riqueza seja drenada pelo ralo da corrupção e do desperdício. Não importa que a Prefeitura tenha sido transformada há décadas em balcão de negócios para atender aos interesses de uns poucos, uns poucos grupos que financiam campanhas para poderem continuar fazendo e usufruindo de contratos milionários.
O que podem fazer se essa gente tem um estranho gosto – além de tudo isso, um péssimo gosto – de escolher esses lugares insalubres para viver? E, absurdo dos absurdos, sabem do que mais? Ainda querem “casa de graça”, apartamento de graça, direito de moradia digna de graça. Como são folgados esses pobres! Esses nordestinos que vieram para cá com uma mão prá frente e outra atrás e ainda querem ser “contemplados”. Vejam bem: “contemplados” é a palavrinha mágica e reveladora.
As Leis, como a 10.257, de 10 de julho de 2001 -, sim aquela mesma do Estatuto da Cidade – que diz no seu artigo 2º que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diretrizes gerais”, tais como:
1 – “a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbna, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; 2 – “a gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativias dos vários segmentos da comunidade na formulação , execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; 3 - “a oferta de equipamento urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; 4 – “a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização, regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação sócio-econômica da população e as normas ambientais, a concessão de direito real de uso; a concessão de uso especial para fins de moradia”.
A Lei, ora a lei! Mero detalhe. E depois, tem as que pegam e as que não pegam, como é da tradição no Brasil. As que pegam são as feitas para proteger os interesses da parcela bem situada; as que não pegam, todos sabemos quais são e a quem se destinam.
Observando certas posições, chego a conclusão terrível que explica o porque há muito tempo Cubatão começou a descer ladeira abaixo no quesito direitos, cidadania plena, qualidade de vida, Cidade.
É que mesmo pessoas supostamente esclarecidas, formadas, bem falantes, bem informadas, jovens, se apropriaram de idéias velhas, conservadoras, quando não reacionárias, e passaram a ver a Cidade, apenas com o 1/3 dos incluídos, dos que moram na zona urbana, abrangida pelo Plano Diretor.
A cada campanha desengavetam slogans tão velhos quanto vazios e demagógicos, tais como “Eu amo Cubatão”, enchem o peito para dizer “Nossa Cidade”, sem a mais vaga idéia do que isso significa. Ou seja: criou-se a idéia de que a Cidade é deles – e portanto, o direito à Cidade – é só deles. É uma versão reacionária e piorada da leitura que faziam os “cinco Manuéis” quando receberam do Rei de Portugal essas terras como “sesmarias”, ou mais recentemente, na década de 60, com os sitiantes, filhos e descendentes dos "cinco Manuéis", que consideravam a chegada dos nordestinos com uma mão prá frente outra atrás, uma afronta. O que afinal vinham fazer aqui esses cabeças chatas?
Desmemoriados por conveniência esquecem até o óbvio: esses cabeça chatas, com um mão prá frente outra atrás, são responsáveis pelo fato de vivermos numa das cidades mais ricas do país – com um orçamento que este ano chega R$ 801 milhões, que serão administrados por gente de cabeça não chata, mas que, a despeito de ter a cabeça redondinha, ou quadrada – seja lá o for que for, menos chata – não demonstra nas suas respectivas e nobres cabeças não chatas, um mínimo de competência para transformar a Cidade no que todos temos direito que ela seja – os cabeças chatas e os cabeças não chatas.
Esse conflito entre os que consideravam “donos” e os que chegaram com uma mão na frente outra atrás – a imensa massa urbana, que passou a ocupar desde logo às margens para sobreviver e poder criar suas famílias – já explodiu uma vez no conflito político que resultou na morte do prefeito Abel Tenório em frente ao Esporte Clube Cubatão, em represália ao assassinato do vereador Dinho. Outro Dinho, claro, não o atual vereador encarregado das finanças.
Pelo visto, as bases desse conflito permanecem porque as novas gerações seguem defendendo velhas e retrógradas idéias, alimentadas pela ignorância e por uma visão de mundo avessa à modernidade e à modernização, uma visão que não vai além da esquina, do quarteirão; a idéia de que a Cidade é só deles, quando na verdade, uma Cidade – como uma República - ou é de todos ou não é de ninguém. E uma Cidade de ninguém, o é, apenas como metáfora porque, na verdade, tem seus donos.
Moral da estória: o problema não é o formato da cabeça dos que chegaram com uma mão na frente outra atrás. O problema é o tamanho da cabeça dos que governam.
3 comentários:
Já vi que vou aprender muito com você mesmo.
Muito objetivo nos assuntos
Parabéns
Um grande abraço daquele que muito te admira
Edenilson
Olá Dojival.
Eu tenho certeza que a cidade de cubatão tem o direito a muito do que você está falando.
Eu entendo também que foi por isto que a cidade resolveu mudar no último pleito.
Escrever os problemas e soluções mágicas é fácil, o difícil é passar tudo isto pela máquina administrativa.
Precisa de muita força política e apoio da população. Eu espero sinceramente ver muitas mudanças nos próximos anos e tenho certeza que você poderá ajudar nisto fazendo suas críticas construtivas e sugerindo sugestões para serem adotadas pelo novo governo.
Eu também tenho o mesmo sonho que você e tentarei fazer a minha parte contribuindo dentro do possível.
Melhores dias virão, eu tenho certeza.
Dogival Vieira,
Cubatão lhe deve...E como deve!
Ninguém teria mais razão que você para estar desiludido com o povo cubatense.
Quanto você sacrificou de sua vida pública e mesmo particular, para dedicá-la a essa cidade.
E quanto apanhou!
Mas suas idéias são moldadas em tamanha argamasa, que perduram baque após baque como uma inexpugnável rocha exposta ás ondas.
Aquilo que até hoje não recebeu desse povo...DEUS LHE PAGUE!
Se Deus resolver um dia deixar de brincar de algóz contra os seus!
Abração irmão!
José Laboret
10 de maio de 2009.
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